quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A solidão

O medo de ficar sozinha me apavora, mas tem horas que eu preciso sentir o gosto da solidão. Para mim, a solidão é por vezes gostosa e necessária, pois preciso dela para por em dia as minhas idéias. Para poder nascer de novo, testemunhar tudo o que fiz e deixei de fazer em toda a minha vida, para poder morrer em paz, quando for chegada a hora. Sim, porque nascer, morrer e testemunhar são três coisas que a gente precisa fazer sozinha. Talvez o termo não seja este, mas não sei explicar melhor e para mim está certo. Eu gostaria de fazer aquilo que penso, mas não posso, sou portanto uma mulher frustrada. Daí que a solidão é minha grande companheira, porque nas horas vagas ela me ajuda a viver, em pensamento, tudo aquilo que eu gostaria de fazer e não posso. O que eu sempre pergunto a mim mesma é: o que é o pecado? Será que amar é pecado? ou sonhar, agir, fracassar, fugir, roubar, matar. A minha pergunta será indiscreta? Não tem importância, porque se a pergunta não for discreta a resposta pode ser. Eu gosto muito de ler, escrever, assistir TV, ouvir boa música, gosto de dançar e também me divirto muito fazendo palavras cruzadas, mas será que isto é pecado? Que nada, no meu ponto de vista pecado é ser ignorante quando se tem a oportunidade de ser instruída e culta, para poder pôr todas as idéias em prática. Eu tenho medo da solidão; mas ela é minha companheira, é a própria vida. Sim, mas a
vida não é um prato de cerejas que só precisa pegar. A gente precisa sair, andar, andar até achar o pé. Chacoalhar a planta para as cerejas caírem e podermos apanhá-las então. Como se vê, não é tão fácil quanto imaginamos conseguir o que queremos. Aquele motorista sempre dizia, nunca fui um solitário, não quero ser um solitário, eu
não suportaria estar só, a solidão me mataria. Ele parte de carro com um colega, olha o marcador, 100 km horários, mas estou com um colega: pisa no acelerador e vai a 110, 120, 130 por hora. A solidão já estava tentando fazer sentir o seu gostinho. E lá adiante o acidente acontece, seu colega morre, ele então se sente só ao lado de
um cadáver e uma máquina destruída. Se não fosse a solidão estaria completamente só, e se lembrou que a solidão é a única que nunca nos abandona e disse: A solidão também é minha companheira. Ele deve ter lembrado, naquela hora, que é bom calar na hora exata, porque nem a dor nem a solidão matam...

(31.1.1974)

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