quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O último degrau da escada

Do último degrau da escada fiquei olhando por onde passei. Ando então pelo corredor do prédio e não lembro o número do apartamento que quero visitar. Toco qualquer campainha, abre-se a porta e uma velhota ranzinza olha para mim, muito desconfiada e diz: O que queres? então eu respondo desculpe, eu fiquei olhando do último degrau da
escada e esqueci o número do apartamento, será que a senhora podia me ajudar? Procuro dona Marieta Saltina, a senhora a conhece? Não sou nenhuma informante nem síndica do prédio, não posso te ajudar. Eu insisti dizendo: É minha mãe, por favor, diga-me o que posso fazer? Ela simplesmente fechou a porta sem responder nada.Voltei para o último degrau da escada e fiquei a pensar: Puxa, minha mãe mudou-se para aqui há pouco tempo, será que ninguém a conhece? Nisso vem subindo um senhor de terno e gravata. Eu então, mais que depressa, pergunto: Por favor, o senhor conhece minha mãe? Mudou-se para aqui há pouco tempo, será que ninguém a conhece? Qual o nome dela?, pergunta o senhor, então eu disse: Marieta é o nome dela. Não, responde ele, não conheço, e segue seu caminho. Assim foram subindo todos os moradores do prédio, eu perguntando para um, para outro, e ninguém conhecia alguém com este nome.
Anoiteceu, eu tive que descer e, quando cheguei lá embaixo, fiquei olhando para o último degrau da escada e pensei: Mas está muito claro que não foi esta a escada que mamãe subiu, nem foi este o prédio em que ela foi morar. Pois ela foi pela escada do céu, e o prédio é o paraíso, o céu. Acordei então de um sonho onde eu loucamente procurava minha mãe, e ela já havia falecido há 16 anos. Ninguém podia conhecê-la mesmo, pois aquele prédio não era o paraíso.

Caderno de Poemas Íntimos, 13.2.1979

Nenhum comentário: