quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

À guisa de posfácio

O que dizer sobre Cecília ? Ela sempre escreveu. Algumas
vezes eu li o que ela escreveu. Certo dia falei disso para o Inacio
Carreira. Ele me disse: porque não publicar? Pensei muito, conversei
com Cecília. Ela perguntou: mas eu posso fazê-lo? Sim, eu disse.
Então o Inacio puxou para si, de forma muito gentil, o árduo trabalho
de digitar todo o material, ordená-lo, organizá-lo e apresentá-lo na
forma em que ele se encontra agora.
Devo confessar que eu mesmo me surpreendi com algumas
tiradas dessa mulher que só tem o quarto ano do primário como
educação formal. Bom, uma mulher que sempre leu muito. Lia até
bula de remédio.
Inacio e eu resolvemos que deveríamos interferir o mínimo
possível em seu trabalho. Quando ela escreveu em italiano, decidimos
respeitar até mesmo os eventuais deslizes da linguagem escrita:
entendemos que para alguém que foi alfabetizada em português e que
só falava em dialeto vêneto, até que ela se fez compreender muito
bem. Preferimos apenas traduzir para o português, para que os que não
falam italiano também pudessem entender.
O que nos impressiona é, contudo, a lucidez de suas
lembranças, relacionadas a alguns fatos, datas, etc. E em seus textos
livres, quase crônicas, uma linguagem muito sua, que também reflete
muita lucidez e inteligência.
- 70 -
Claro, como filho, seu carinho por mim é evidente, e ela deixou
isto claro nas várias vezes em que me citou em seus textos. Portanto,
também sou suspeito ao emitir minhas opiniões sobre eles. Contudo
surpreende-me, também, sua capacidade de esquecer as coisas ruins,
sua inabalável fé em Deus e, sobretudo, sua capacidade de enxergar as
boas coisas pelas quais passou e que raramente lhe permite lembrar
das coisas ruins, e quando delas se lembra, quase nunca se deixa
deprimir pela sua lembrança. Mesmo quando ocorrem essas raras
oportunidades, nós optamos por deixá-los como testemunhos
silenciosos de sua verdade.
Mas a principal razão de levar a público o presente impresso é
de mostrar como uma senhora de 73 anos, que teve no lar sua maior
atividade, cuidando do seu companheiro por 48 anos até seu fim, e de
seu filho por 51 anos até agora, e que sempre acalentou o sonho de
escrever um livro, pôde finalmente realizá-lo. Registrando sua
passagem. Portanto, podemos dizer que aqui está também um pedaço
da história de vida de uma jaraguaense de coração, que provavelmente
não será tão diferente da história de outras cidadãs.
Para minha felicidade e de nossa cidade ela ainda tem coisas a
dizer. Continua escrevendo, religiosamente e quase todos os dias. E
nós a temos estimulado para que o continue fazendo. Afinal, todos
temos algo a dizer. E podemos pôr a termo, numa folha de papel,
aquilo que pensamos ou lembramos de ou sobre nossas vidas. Aliás,
temos mesmo uma certa obrigação em fazê-lo. Os que virão depois de
nós, distanciados pelo tempo que cura todas a feridas, quem sabe
possam compreender melhor aquilo que dizemos agora.
Cecília, aquela menina da roça, virou mulher. A filha do
Giacinto e da Maria resolveu que escreveria algo para nos deixar. A
mulher Cecília, do Theobaldo, enfim também envelheceu, mas não
perdeu a esperança e nem se esqueceu de seu sonho, e nos deixa
finalmente seu melhor legado. Como dizia Neruda: Aqui esta mi
ternura para entonces. La conoceis. No tengo otra bandera. Esta
frase poética também cabe muito bem para seu trabalho!
Te amo muito. Teu filho
Loreno Luiz Zatelli Hagedorn.
Jaraguá do Sul, 25 de agosto de 2005 (quinta-feira), 20h42min

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